Do que estamos falando quando nos referimos à diversidade?
Diversidade inclui características relacionadas à gênero, raça, etnia, orientação sexual, condição física, classe social, identidade de gênero, religião, sotaque, nacionalidade e idade. Mas também background educacional, saúde, condição de refugiado, diversidade estética, experiência, posicionamento político e diferentes pontos de vista. É o conjunto de características que nos tornam únicos.
E do que estamos falando quando nos referimos à inclusão?
Inclusão é a valorização e inserção de populações que, por questões históricas e sociais, enfrentam barreiras na sociedade e nas empresas.
Uma equipe diversa coloca a empresa em contato com tudo aquilo que ela necessita para se aprimorar e tornar mais competitiva sua estratégia de atuação. Diversos estudos já comprovam que investir em diversidade gera valor.
Empresas mais diversas têm uma chance 35% maior de retorno financeiro do que a média do mercado. Segundo o Development Dimensions International, é provável que organizações com equipes diversas aumentem seus negócios 1,4 vezes mais em comparação com aquelas com equipes homogêneas. E ainda segundo a Mckinsey & Company, 95% dos líderes acreditam que a D&I promove a inovação.
Essas são apenas algumas das reflexões que nosso entrevistado da semana, Salim Khouri - Head de Talento e Diversidade LATAM da Ford, nos trouxe.
Leia na íntegra a entrevista:
Salim, como é que começou esse envolvimento com o tema de diversidade e inclusão na sua vida? Conta um pouco a seu respeito e como se deu este tema para você.
Sou baiano, sou filho de Libanês com baianos, uma mistura só. Sou formado em Comunicação e Administração, fiz MBA em RH e mestrado em Administração também.
Além de trabalhar na Ford, também sou professor de muitos aspectos ligados à gestão humana transformação do RH, etc. São quase 20 anos no mercado entre momentos como o Marketing e a maior parte do meu tempo como RH. E faz um tempo que comecei a me encantar e me conectar com a temática de diversidade. Acho que pela minha família, por ser uma família diversa, pela minha própria vida, e pelo meu engajamento organizacional. Então comecei a discutir esse assunto na Ford há mais ou menos 3 anos, comecei a aprender a me aprofundar e comecei a perceber a importância dessa temática de fato para gente gerar ambientes cada vez mais inovadores, cada vez mais criativos e que gerem mais resultado como milhares de pesquisas já falam.
Então eu comecei a falar mais abertamente sobre o assunto esse ano, vamos dizer assim. Esse ano não, acho que no ano passado. Comecei a participar de alguns eventos, comecei a me expor um pouco mais nas redes sociais.
Porque eu percebi que precisava compartilhar um pouco as minhas histórias, falando muito até da minha orientação sexual em alguns momentos, meus medos, meus erros e acertos, e percebendo como eu poderia colaborar na transformação da sociedade e do mundo. Tentando inspirar pessoas, mostrando que elas não estão sozinhas. Então a cada dia eu venho tentando me engajar cada vez mais. Estou numa jornada de aprendizado Ingrid. Assim como todos né?
Tem até algumas celebridades que essa semana postaram que estão em um momento de ressignificação dos seus preconceitos. Eu também tinha meus preconceitos, eu também julgava, eu ainda estou em desconstrução assim como todas as pessoas, aprendendo sobre o assunto. E eu acho que é mais ou menos isso.
Então assim, dentro da Ford comecei a perceber a importância disso para a organização, para transformação, para conexão com as pessoas, para gerar um ambiente de cada vez mais agradável de trabalho.
E externamente também eu tenho um projeto social, eu também mentoro vários jovens e pessoas diversas. Tenho um grupo de voluntários grande, para mentorar em termos de orientação de carreira grupos de vulnerabilidade social. Então o assunto e acabou surgindo dessa forma.
Eu acho que, é engraçado até, contando uma coisa bem pessoal, há mais ou menos duas semanas eu achei um monte de cartas e textos que escrevia quando eu tinha 20 anos, 18 anos, com todos os meus medos as minhas preocupações. Aí eu fico olhando para trás e falando como superei todas aquelas questões e hoje consigo abertamente vir aqui falar sobre a minha vida, e como isto pode ajudar a gente a transformar de fato a sociedade. Porque apesar de tudo, a gente fala muito nessas discussões de diversidade que um dos primeiros itens é você reconhecer seus privilégios. Apesar de todos os sofrimentos que eu tive, todas as questões que eu tive, eu reconheço que eu tive muitos privilégios. Eu acho que aceitar isso, enfrentar isso, dá força para gente seguir adiante vamos dizer assim.
Eu queria que você me falasse qual você acredita ser o maior desafio que as empresas ou, por exemplo, que você mesmo até na própria Ford enfrenta para criação de ambientes mais diversos e inclusos? Como é que foi por exemplo para fazer isso dentro da Ford, e quais você acha que são os maiores desafios frente o mercado?
Eu acho que um primeiro desafio é o engajamento da liderança. É muito forte o que vou falar, mas é real. As organizações têm ambientes de preconceito, a gente tem LGBT fobia, a gente tem machismo, a gente tem atitudes equivocadas, temos, e precisamos aceitar, e com isso engajar as lideranças para gente trabalhar de uma forma diferente nesse sentido.
Então as lideranças são parte fundamental. Não é um projeto de RH, é um projeto de transformação organizacional, é um projeto que a gente precisa do sponsorship, do nosso board, etc.
Um outro ponto que eu tenho, que é um desafio, é a gente começar achando que vamos entrar na onda, na modinha, e não ter de fato algo consistente, algo que de fato gere valor, algo que de fato esteja conectado à estratégia do negócio. E aí a gente acaba perdendo um pouco de força com tempo, porque não tem consistência. Por que eu estou fazendo aquilo? Para que eu quero isso? Como é que eu faço daqui para frente? Como é que eu faço com que isso tenha uma conexão de fato com os valores e com a minha expectativa futura e da minha organização?
Outro grande desafio é a mensuração de resultados. Não é simples, é um desafio você mensurar alguns KPIs, algumas métricas para avaliar de fato o sucesso. Outro ponto é, diante de toda a crise você tem que ter algum tipo de investimento. Nem necessariamente financeiro, mas às vezes é de tempo, pessoas dedicadas, etc. Então esse é um grande desafio. E o outro desafio que eu acho, que é o pior de todos, você cair numa onda de: porque todos estão fazendo, vou fazer também, e você não ser algo verdadeiro e sincero daquela organização. Eu acho que isso é muito forte, você tem que querer genuinamente transformar, você tem que querer genuinamente aceitar e criar aquele ambiente e aquele espaço de discussão.
Inclusive a gente diz muito que as empresas se transformam internamente, antes de fazer os posts ou antes de fazer publicidade daquilo, porque a gente precisa de um exercício interior. E não vai estar perfeito, tem um trabalho grande pela frente nesse sentido.
Quais dicas você daria para as empresas que querem trabalhar esse tema e precisam engajar as suas lideranças?
Vou dar um exemplo muito claro. Em algum momento as pessoas não entendiam, eu tenho muitas lideranças globais que não conhecem a realidade do Brasil. Então a dica é: coloca essas lideranças para conversarem com executivos de outras empresas, que têm uma estrutura de diversidade e inclusão mais estabelecida. Eu mesmo me ofereço a conversar com quem quiser. Eu acho que você tem que de certa forma mostrar os benefícios do que você está gerando de bacana para as outras lideranças entenderem, esse é um ponto.
O outro ponto é, a gente fez um treinamento de 8 horas falando para algumas lideranças chave sobre o conceito de diversidade no Brasil, e os números. Posso trazer até alguns aqui para ilustrar, porque muitas vezes a gente se perde dentro desse processo. Por exemplo, 68% das pessoas LGBTQI+ já ouviram comentários preconceituosos no trabalho, apenas 36% se sentem à vontade para revelar quem são no ambiente profissional. A gente tem 54% de negros no Brasil e menos de 1% deles ocupavam cargos de executivos. Uma mulher negra chega a ganhar 40% menos que um homem branco. As mulheres são 51,4% da população brasileira e chefiam 40% das famílias. Pelo menos 24% dos brasileiros são pessoas com deficiência e 86% das empresas admitem que só contratam para cumprir cotas legais.
Muitas vezes eles não estão informados disso, muitas vezes eles não entendem essa realidade porque vivemos num mundo de privilégios. Eu sou executivo bacana, estou morando no bairro bom, estou na minha casa, não vejo andar lá na Oscar Freire, não vejo andando no shopping e então você acaba se blindando naquela sua redoma. Eu acho que a gente tem um papel importante de quebrar isso e mostrar para eles, porque as organizações, elas tem um papel social. Vamos falar um pouco de propósito aqui. Você aí, na Clave, entrevistando, ajudando as pessoas a se conectarem com novas posições... As pessoas elas escolhem ou não escolhem a empresa pelo que ela faz além do produto e do serviço que ela oferece?
Total, total, já vi gente inclusive declinar de processo porque não compactuava com os valores daquela organização, então é isso aí...
É um marketing de propósito, é a gente comunicar muito mais. Quando a gente falar de employer branding, por exemplo utilizar Glassdoor, Indeed e LinkedIn para expor nossa marca empregadora está muito conectado com isso. A gente não faz só produto. A gente tem uma cultura, a gente tem valores, a gente tem elementos, a diversidade é um deles no caso da Ford. E a gente precisa expor isso para as pessoas sentirem conectadas e virem trabalhar com a gente. Porque não vai ser mais lucro por lucro. A gente viu muito bem agora, as empresas hoje que tem melhor reputação no mercado nesse período de Covid, foram as empresas que fizeram mais investimentos sociais, foram as empresas que mais se conectaram com as questões da sociedade, que tentaram ajudar e transformar.
Qual você acha que é o papel do RH dentro dessas organizações na inclusão desse processo? Tem que vir do RH ou qual é o papel que o RH deveria ter frente a isso?
Vamos lá... geralmente vai vir do RH, mas eu não entendo que precisa. O RH não é dono disso, muitas vezes ele estrutura. Em algumas empresas vem da área de responsabilidade social ou de uma área de diversidade que eles incluem, muitas vezes pode vir do CEO que quer e estimula, e ai o RH vai acabar virando o dono disso, mas eu acho que o RH ali tem um papel muito grande no processo de guiar as lideranças. A gente fala muito do papel do HR Business Partner.
Eu acho que a primeira etapa é trabalhar o autoconhecimento, todo programa de liderança, toda jornada de liderança, ela começa com que com reflexão sobre autoconhecimento. Então o RH tem um papel de conectar, de ajudar o líder, de estimular, o de provocar ele a pensar diferente, de fazer diferente. A gente de fato na Ford, por exemplo, tem algumas responsabilidades na área de diversidade, ela está dentro do RH e a área de diversidade ela tem a responsabilidade de conectar os grupos de afinidade que são aqueles grupos que discutem a temática diversidade, organizar reuniões criar estratégia macro. Isso fica no RH mas todas as ações, todas as práticas ficam no grupo de afinidade. Todas as decisões mais estratégicas e maiores elas ficam no comitê de diversidade que tem os membros do board. A gente tem que criar uma governança, tem que criar uma estrutura.
Se for um movimento só do RH ele vai morrer, não vai ser orgânico, ele não vai ser natural. Então RH tem um papel talvez, de conectar pessoas, estimular a liderança, provocar e estimular a transformação cultural, fazer um treinamento, fazer workshop, etc. Mas o RH é um facilitador. Eu ouvi uma expressão muito legal de uma amiga, que é head de RH de outra empresa, que “o RH ele é como se fosse o ponto do ouvido do apresentador do jornal, da apresentadora de TV, o ponto do ouvido do líder. Ali ele tem que buzinar o líder, provocar o líder para conectar ele".
E fala um pouquinho sobre quais são as lições que você já aprendeu nesse tempo trabalhando com esse tema. O que você já tira de lições aprendidas para poder compartilhar com as pessoas aqui?
Vamos lá... O processo é lento, ele não vai acontecer de uma hora para outra.
Isso é um ponto muito importante porque as pessoas querem fazer tudo para ontem e deixar tudo cem porcento. Então é bom para calibrar a expectativa.
Para mim o primeiro ponto, como o começo de tudo, é jogar a poeira debaixo do tapete e começar a falar do assunto.
Esse é o início né, mas ele é um processo lento, a transformação é lenta. Eu não vou aumentar o meu número de mulheres na liderança, o meu número de mulheres negras na liderança, isso não vai acontecer de uma hora para outra. Você precisa de uma estrutura e de um embasamento, de um planejamento estruturado para isso acontecer. Eu acho que esse é o primeiro ponto.
O segundo ponto, eu vou reforçar o mesmo assunto que eu falei o maior desafio é o apoio da liderança em alguns momentos. É difícil, tem que puxar, voltar a conectar ainda mais em momentos tão difíceis como esse que a gente tá vivendo. Se a gente não fizer esse exercício, as lideranças se desconectam do assunto.
O outro ponto é que as questões são muito profundas e vão surgir coisas que a gente não está preparado. Em alguns momentos não é comum para algumas pessoas aumentar o número de denúncias no seu 0800, no seu grupo, no seu programa de compliance, 0800 para reclamações etc. Aparecendo situações bizarras que você nunca imaginou. Vão ter pessoas que vão começar a sair do armário e ai envolve questões muito delicadas, o que é super normal e então a gente tem que ter um pouco de cuidado com isso.
O outro ponto é: não vai ser perfeito, e quando eu digo que precisa tempo não tô dizendo para demorar a começar não, começa naquele conceito MVP, melhorias contínuas. É um pouco do que eu já falei, temos que planejar o que a gente quer como a gente vai fazer.
No meu caso eu trouxe uma consultoria externa, que é a Mais Diversidade, que me ajuda nessa jornada. Não sei tudo, eu erro para caramba, muitas vezes eu ligo para eles perguntando se eu posso falar isso ou não posso falar isso... É a gente viver de fato essa construção né, da sociedade.
Salim, pra gente poder fechar você falou que hoje se envolve com o tem, envia ajuda a algumas empresas através de uma ONG, é uma ONG exatamente o que você tem hoje?
Não, vamos la. É um movimento, a gente tá criando. É muito curioso isso, eu fiz um post no Linkedin dizendo que ia ceder meu tempo para as pessoas, para ajudar eles com orientação de carreira etc. e no caso eu falei que eu queria fazer isso para grupos de vulnerabilidade social. Isso é LGBT, os negros, pessoas de baixa renda, pessoas com deficiência, mulheres e outros.
Convidei também profissionais da área de gestão de RH para se voluntariar e aí eu montei um cadastro, uma coisa super tímida. No final a gente estava com oitenta e tantos voluntários. A gente atendeu em dois meses aproximadamente quase 40 pessoas. Fizemos um projeto de desenvolvimento com a ONG, então assim, a gente tá em construção né melhorando.
Se quiser segue lá no Instagram @querotransformar que a gente tá aprendendo, mas são executivos e profissionais do mercado que entenderam que eles precisavam ir além do que eles fazem hoje dentro das organizações deles. É basicamente para pessoas, hoje mesmo mentoro cerca de 8 jovens lgbts, eu tento dedicar uma hora do meu dia aí para isso então geralmente depois das 20 horas eu sempre tenho horário de conversa com eles. Falamos de currículo de carreira... Eu acho que mais ou menos essa energia aí, tentar fazer a nossa parte nesse mundo né que às vezes é tão doido e a quarentena de certa forma ajudou a gente fazer uma reflexão bem pessoal. É sobre tudo isso.
E para aquele jovem ou para aquele colaborador que tá na empresa que fala: poxa eu queria participar de um movimento desse, tenho alinhamento total com o tema, faço parte desse grupo... Como que a pessoa pode vir a participar parte desse grupo? Como que a pessoa pode vir a participar e mais como a pessoa do RH de outras empresas podem também vir a participar e a contribuir com esse movimento?
Se você quer alguma orientação de carreira, você se escreve lá no Instagram e se você quer ser voluntário a gente vai abrir provavelmente em outubro para os novos voluntários.
Se você tivesse que deixar uma mensagem para as pessoas que estão aqui escutando, nas organizações. O que que você na verdade diria para elas, como uma mensagem para inspirá-las a trabalhar com esse tema como você hoje faz na Ford?
Não é impossível, é super possível. Eu em alguns momentos pensei que era difícil na empresa tradicional, mas acho que todo mundo se conecta com tema e gera resultados positivos para as organizações. Muitas vezes o preconceito vem de você mesmo ao tentar implementar e pensar que isso não é para sua empresa, meu diretor não vai aceitar, o meu CEO é muito tradicional... Eu digo vá e se esforce, traga dados e estrutura, vai embasado que eu tenho certeza de que você vai se surpreender! E aí você vai fazer a sua parte nessa transformação né, ajudando a mudar as nossas organizações e o nosso mundo.
Ingrid Emerick
É psicóloga, Head of Talent Acquisition and Talent Management da Clave Consultoria, atua há mais de 15 anos em projetos nacionais e internacionais de Atração e Seleção. Especialista em mapeamento de perfil, para apoiar as empresas em suas tomadas de decisão mais assertiva.
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